domingo, 30 de agosto de 2009

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paisagem terrena

1 Eu voltei do sonho e ainda me sentia zonza quando acordei. As palavras ainda soavam em minha mente quando, com sua luminosidade, o sol, alegre e soberano, anunciava um novo dia, atravessando as frestas da janela, aquecendo e tocando meu rosto. Eu nem imaginava o quanto aquela sexta-feira seria especial para mim.

2 Espreguicei-me e logo levantei, pois havia um passeio programado para a nossa turma. Iríamos visitar o açude Orós e isto era motivo suficiente para tanta euforia entre nós, alunos do primeiro ano do ensino médio, porque o nosso colégio apresentava muitas deficiências e dificuldades, mesmo localizado na sede do município. A politicagem cedrense ajudou a criar esa situação, pois nossos ditos representantes, em sua maioria, estão mais preocupados com seus bolsos e suas reeleições. E o povo que se dane.

3 Antes de deixar o quarto, abri o meu precioso caderno dos sonhos e anotei o que minha memória conseguiu guardar. Era uma paisagem diferente de qualquer outra que eu já tinha visto. Vegetação rica e variada por todos os lados, vales regados e serpeados por rios caudalosos, montanhas extensas e altíssimas, um céu azul, límpido, luminoso. E havia também um lago enorme entre quatro montanhas isoladas à minha direita. Suas águas transparentes, semelhantes ao mais belo cristal, não tinham ondas em sua superfície. Tal qual um espelho. Viam-se as centenas de peixes e outros seres que nele habitavam e nadavam, a colorida vegetação, o amarelo-claro do seu leito. Ali, naquele lugar, tudo era imenso e majestoso, tudo era adornado de luz, pulsava vida e luz.. O mais interessante: eu podia ouvir uma música, mas não distinguia claramente do som das águas, do assobio do vento, do cantar dos pássaros. Na verdade, tudo parecia cantar.

4 Durante um tempo que não posso calcular com exatidão, estive em todos os lugares e níveis daquele país ou planeta: nos vales, nas florestas, próxima aos rios, no sopé das montanhas, flutuando no ar. Finalmente, lembro que fiquei de pé sobre a mais alta das montanhas e ouvi então a voz suave e resoluta. Se ela vinha do céu, não sei. Se brotava das montanhas e dos vales, também não. Entretanto, a impressão que eu tive é de que tudo falava e a voz ressoava em meu interior. Foi algo relmente novo e fora do comum para mim. Principalmente, relacionado aos sonhos que me visitavam nos últimos meses.

5 A voz entoava: Um magnífico lago com águas serenas e cristalinas. Um sublime e altíssimo pico montanhoso. Um esplendoroso sol dourado... A viagem começa agora. Vem comigo.

6 A luminosidade jorrou diante de mim e senti que me movia muito rápido. Por mais que desejasse abrir os olhos e saber o que acontecia, não consegui. Então, um mergulho na escuridão, uma espécie de explosão ou estrondo, o súbito e assustado despertar, o zunido no ouvido esquerdo. E o sonho, aquela incrível viagem havia acabado.

7 Sonhos assim acontecem há algum tempo comigo e não encontrei nenhuma resposta clara para eles. As pessoas dizem-me que sonhos são apenas sonhos; quer dizer, algumas falam em interpretação, em significado. Falam-me até em jogo do bicho e aposta na loteria. Mas o que eu queria sinceramente ouvir, se era possível os sonhos serem algo real, ninguém me falou ainda.

8 Tentei conversar sobre os sonhos com a minha irmã, Saliny, mas sei que sua atenção está voltada para outras preocupações, pois ela se prepara para o vestibular de Iguatu e anda meio desolada com o fim de mais um namoro. Ela é uma boa irmã, eu sei que posso contar com Saliny para muitas coisas, só não posso aborrecê-la agora com tais sonhos, pois a cabeça dela vai estar em outro lugar certamente.

9 Mamãe também já ouviu alguns relatos meus. Pensou, raciocinou e achou que também há algo, alguma mensagem por trás deles.10 - Talvez você deva descobrir por si mesma, Suzy. Evite, porém, concentrar-se tanto neles. Peça ajuda a Deus e um dia você compreenderá.

11 Somente uma vez contei um de meus sonhos a papai. Afinal, não tinha nada demais.

12 - Interessante! Deve ter sido um bom sonho. Eu aboiando muitas cabeças de gado e você, em um cavalo branco, vestida como uma vaqueira. Salehte não estava lá também?

13 - Sim. Mamãe tava dirigindo um carro, uma pick-up azul... Ela falava, mas eu não conseguia ouvir o que ela dizia.

14 - Talvez não devêssemos ouvir mesmo. Podia ser uma bronca.

15 - É... quem sabe? Talvez o senhor estivesse atrasado para o almoço.

16 Então, resolvi calar as minhas estranhas experiências, aqueles sonhos que pareciam reais, sonhos que pareciam indicar ou revelar algo, sonhos vivídos e luminosos, cálidos e marcantes. Em mim, havia alguma esperança de encontrar respostas, fosse nos livros, em alguém, em Deus. Ou mesmo nos sonhos.

17 Após anotar as mais recentes reminiscências no caderno, veio o banho matinal e o desjejum. Vesti um jeans preto meio folgado e uma camisa de malha vermelha, minha cor preferida. Tomei uma mochila pequena para levar o lanche, a máquina digital, o celular e tudo aquilo que uma garota de catorze anos precisa: maquiagem básica, prendedor de cabelos, uma toalhinha, protetor solar, desodorante... e uma pequena edição do novo testamento, presente de minha avó materna.

continua...

Obra registrada e protegida.
© 2007 Marcos Aurélio da Silva Costa
Direitos reservados pela Editora Campus Celestium.
Fortaleza – CE

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